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Boeuf Bourguignon

Assisti esses dias o filme Julie & Julia (2009) e lembrei dessa excelente receita que gosto muito. No filme, que é baseado em duas histórias reais, Julie Powell (interpretada por Amy Adams) prepara, entre diversas receitas, um Boeuf Bourguignon do excelente livro Mastering the Art of French Cooking de Julia Child (no filme interpretada por Meryl Streep).  Já aviso àqueles que gostam de pratos rápidos e fáceis que esse não é o caso: reserve pelo menos uma tarde inteira, para comer o prato no almoço do dia seguinte. É possível abreviar o preparo e jantar no mesmo dia, mas recomendo que o prato “durma” na geladeira de um dia para o outro. Em resumo: no mínimo de 7 a 8 horas de envolvimento na cozinha. Mas compensa, eu garanto!

O bourguignon, como é conhecido na França, é um prato popular. Cada dona de casa que se preze tem sua própria receita e restaurantes mais modestos incluem o prato no seu cardápio. Não existe uma receita única, mas sim centenas de variações. Apresento uma versão do prato inspirado livremente no Larousse Gastronomique, porém com toques pessoais.

Como não poderia deixar de ser, o prato é originário da Borgonha (Bourgogne no original). Alguns autores questionam essa origem, argumentando que o clássico livro Cuisinier bourguignon de Alfred Contour não inclui essa receita; para justificar o nome, dizem que é por causa dos dois principais ingredientes (carne e vinho tinto), destaques da região no país.

Uma das técnicas que uso no preparo, e que também é utilizada pela Julie do filme, é cozinhar a carne em uma panela de ferro no forno. É importante empregar uma panela que não possua partes de madeira, nas alças ou tampa. Essa panela é muitas vezes conhecida internacionalmente como Dutch oven (ou French oven).O termo original vem do sistema de produção com ferro fundido usado pelos holandeses para fabricação das panelas.  No século 16 a panela era pendurada em uma fogueira produzindo um cozimento lento.

O termo French oven surgiu depois e foi criado provavelmente para designar as maravilhosas panelas francesas que podem ser utilizadas para esse fim, tais como as produzidas pela Le Creuset. Infelizmente, ainda não tenho nenhuma panela Le Creuset, e portanto tive de usar uma panela de ferro tradicional desaparafusando a madeira que serve de alça para a tampa. Funciona.

Tendo a panela, o tempo e a disposição necessária, mãos à obra. Cuide para não ultrapassar o tempo de forno, a própria Julie no filme se passa na 1ª vez que faz o prato e queima tudo. Sugiro usar um despertador, mas nem isso adiantou no caso do filme…

O resultado final do cozimento é excepcional: uma carne que se desmancha e um molho espesso com gosto de carne e vinho. Só provando para saber do que estou falando.

Bon Appétit!

Receita de Bouef Bourguignon (pdf / mp3)

(serve 6 pessoas)

Ingredientes

  • 1,5 kg de alcatra
  • 150 gr de costela de porco salgada
  • 3 cebolas roxas médias
  • 1 cálice de conhaque
  • 500 ml de vinho tinto seco
  • 300 ml de caldo de carne
  • 1 dente de alho
  • 25 cebolas bem pequenas
  • 3 colheres de sopa de azeite de oliva
  • 4 galhos de tomilho
  • 6 ramos de salsa
  • 4 folhas de louro
  • ½ xícara de farinha de trigo
  • quanto basta de manteiga
  • quanto basta de sal
  • quanto basta de pimenta-do-reino

Modo de preparo

1. Marinada (tempo estimado: 3,5 horas)

Corte a carne em quadrados de aproximadamente 5 cm de lado e 6mm de espessura.

Tempere-os com sal e pimenta. Coloque as peças de carne em uma travessa retangular de vidro. Ponha por cima as cebolas roxas cortadas em fatias, metade do azeite de oliva e metade das ervas (tomilho, salsa e louro). Despeje por cima o vinho. Cubra com papel filme e deixe marinando na geladeira por pelo menos 3 horas.

2. Pré-preparo (tempo estimado: 30 minutos )

Individualize as costelas de porco e retire algumas lascas, como se fossem finos palitos de fósforos, mantendo parte da carne junto aos ossos da costela. Reserve.

Esmague um dente de alho e reserve.

Faça um bouquet Garni usando a metade restante das ervas. Amarre-as em um cordão e reserve.

Prepare um caldo de carne ou dissolva um tablete de caldo de carne em 300 ml de água. O ideal é fazer um caldo caseiro.

Retire as carnes da marinada, escorrendo o máximo possível do caldo e reserve. Pegue algumas rodelas de cebola da marinada e pique. Guarde também o restante do caldo com as cebolas em rodelas, retirando apenas as ervas.

3. Cozimento (tempo estimado: 2,5 horas)

Para o cozimento use uma panela de ferro fundido que possa ir ao forno. Aqueça a panela na boca do fogão e adicione o azeite. Coloque então a cebola picada e o porco. Frite até o porco ficar bem cozido.

Em um prato espalhe 1/2 xícara de farinha de trigo e reserve. Aos poucos vá fritando os quadrados de carne até ficarem dourados. A medida que a carne ficar dourada, retire da panela e coloque na farinha, passando em ambos os lados para escorrer bem a gordura. Repita esse processo até que a carne esteja toda frita. Então, retire da panela as costelas de porco que contém osso. As finas lascas de porco continuam no cozimento.

Adicione toda a carne frita na panela com a farinha utilizada. Coloque por cima o cálice de conhaque e ateie fogo. Quando o fogo cessar por completo, coloque o caldo restante da marinada com as cebolas em rodelas. Aqueça por alguns segundos e adicione o caldo de carne, o alho esmagado e o bouquet garni. Deixe ferver. Tampe bem a panela e coloque, por duas horas, em um forno pré-aquecido a 180ºC.

Após o cozimento o bourguignon pode ser guardado para ser finalizado e servido no dia seguinte. Assim, a carne absorve mais o tempero e fica ainda mais saborosa.

4. Finalização (tempo estimado: 30 minutos)

Descasque as cebolas pequenas e frite-as na manteiga. Deixe-as levemente douradas. Adicione no bourguignon e aqueça por cerca de 20 minutos. Retire o bouquet garni antes de servir. Sirva acompanhado de arroz branco.

Observações

– Se quiser fazer um caldo de carne caseiro que rende exatamente a porção necessária do bourguignon faça o seguinte (ingredientes não previstos na receita original): use 50gr de cenoura bem picada, 1 cebola pequena bem picada e 200 gr de carne cortadas em pedaços (preferencialmente vitela ou ossobuco); frite a cebola e cenoura no azeite, adicione a carne e frite bem; coloque 1 litro de água e ferva por cerca de 45 minutos.

– Além da cebola é possível adicionar cogumelos. Realize o mesmo procedimento das cebolas pequenas e adicione junto na finalização. Use cogumelos Paris frescos;

– Para um prato mais barato, pode-se usar colchão, patinho ou até mesmo pá ao invés de alcatra. Como cozinha bastante, não há muita variação no sabor.

Picanha Invertida

Picanha InvertidaA picanha é um dos símbolos do churrasco gaúcho, junto com a costela, é claro. Presença constante nas churrascarias e nos churrascos “caseiros”  de domingo, bastante tradicionais por aqui. Moro em um bairro de casas, na zona sul de Porto Alegre. Uma das sensações interessantes é sair para caminhar no domingo, final da manhã, e sentir o cheiro de churrasco que se espraia pelas ruas do bairro… Já chego em caso com o apetite pronto: basta espetar a carne, fazer a caipirinha (ou pegar uma cerveja gelada) e começar o fogo, até o carvão arder em brasas. Daí pra frente começo a contribuir para o “perfume” local 😉

Gosto da picanha mal passada, como muito dos apreciadores locais. Claro que existem diversos “níveis” de mal passado. Não estou falando de “sashimi de picanha”, mas acredito que ao assar demais a carne, ela fica dura e “chicletenta”. Aliás, tome cuidado ao comprar a picanha. Se ela pesar mais de 1,5kg, provavelmente você está comprando gato por lebre: geralmente a parte do boi chamada de picanha não ultrapassa esse peso.

PicanhaA picanha é um corte típico brasileiro do traseiro do boi. Em formato triangular, ela faz fronteira com o alcatra e  com o filé mignon. Alguns estudiosos do assunto consideram a picanha como parte do alcatra.  Outros países não costumam ter esse corte, pois cada um tem sua própria divisão das reses. Por exemplo, na nossa vizinha Argentina o boi tem uma divisão totalmente diferente e a picanha fica situada no corte denominado Cuadril. Tipicamente é chamada de Tapa de Cuadril. Já para os norte-americanos, a picanha constitui uma parte do chamado Rump. Segundo a Wikipedia, a picanha por lá seria denominada Rump Cover.

O nome picanha, segundo o veterinário Pedro Eduardo de Felício da Unicamp descreveu na revista Mundo Estranho da Editora Abril, “(…) vem do costume de tocar os bois com uma vara comprida, chamada de picana na região Sul. Com o tempo, a área atingida foi batizada com o nome do instrumento.”

Prato com PicanhaA receita desse post é a picanha invertida. Ela não é uma receita de churrasqueira, mas sim de forno. Quem me apresentou para a receita foi meu cunhado Gerson (não sei se é invenção dele, mas credito a ele a fonte do prato para o blog). O nome do prato vem de uma ação que deve ser realizada na picanha: a inversão do pedaço. Na receita abaixo, há uma descrição detalhada da inversão, parte mais difícil da receita. Depois disso é temperar, rechear com queijo provolone, assar em fogo baixo e se deliciar com a receita.

Bom Apetite, vivente!

Receita de Picanha Invertida (pdf/mp3)

(serve de 3 a 4 pessoas)

Ingredientes

  • 1,5 kg de picanha
  • 300 gr de queijo Provolone
  • 1 cálice de conhaque
  • quanto basta de sal grosso
  • quanto basta de Adobo

Modo de Preparo

O primeiro passo é inverter a picanha. Faça uma abertura com a faca na picanha, no sentido longitudinal, da parte mais grossa para a parte mais fina (como na segunda foto do blog). Tome cuidado para não furar a picanha. Remova o excesso de gordura da picanha (parte dura da gordura). Empurre a ponta da picanha para dentro e comece a puxar pela cavidade feita com a faca.

Início da Inversão da Picanha

Vá repetindo esse processo até a ponta entrar completamente na picanha e ela virar.

Processo de inversão da Picanha

O resultado final é a picanha invertida: a parte com a gordura (já retirados os excessos) fica para dentro.

Picanha já invertida

Depois de invertida, o próximo passo é rechear a picanha com o queijo provolone: retire a casca do queijo, corte em cubos e coloque dentro da carne.

Picanha com o recheio

Depois vem o tempero. Coloque o conhaque e o adobo (por dentro e por fora da peça). Se possível, feche a cavidade da picanha com cordão.

Fechando a Picanha

Não há problemas se não fechar, só vai sair um pouco do recheio para a forma.

Picanha fechada

Cubra a picanha com sal grosso. Pré-aqueça o forno em temperatura baixa (180ºC) e asse, mantendo a temperatura do forno, por cerca de uma hora ou até atingir o ponto desejado.